Variadas possibilidades de usar ou criar jogos em sala de aula permitem que o ensino-aprendizagem seja ainda mais relevante e inspirador aos alunos
por: Eduardo Wolff | eduardo@padrinhoconteudo.com
“A vida é um jogo”, aí está uma frase bem utilizada e praticada. Ser recompensando após ter realizado uma tarefa com êxito é um desejo de todos. As conquistas podem ser um elogio, um prêmio ou até uma nota em uma determinada matéria ou disciplina. Todas são iniciativas que trazem satisfação e, também, aprendizagem.
Esses são os princípios da gamificação, que nada mais é que uma estratégia que usa a mecânica dos jogos em diversas áreas do nosso cotidiano, com intuito de estimular as pessoas a chegarem a um objetivo. Esse recurso vem ingressando de maneira mais consistente na educação, como uma metodologia ativa para auxiliar na aprendizagem dos alunos.
A criatividade para ensinar tem sido a tônica em algumas instituições de ensino, ainda mais em um país com um forte capacidade de desenvolvimento de jogos, além do hábito de jogá-los.
Dados da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames) apontam o Brasil como primeiro lugar no mercado em receitas de jogos na América Latina e o 12º no mundo em 2022. A indústria de jogos brasileira movimenta US$ 2,3 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) e cresceu bastante nos últimos anos, com o número de jogadores locais atingindo impressionantes 94,7 milhões a partir de 2021.
A gamificação pode ser realizada de diversas maneiras, desde um jogo com palitos de sorvete até um game customizado, ou seja, do simples ao mais elaborado.
O “start” foi dado. O “score” de adeptos pelo uso dessa técnica aumenta no país cada vez mais, tanto na Educação Básica como na Superior.
Formas de aplicação desta estratégia de conteúdo
Em lugares onde a gamificação foi abraçada como metodologia não tradicional para a aprendizagem, os professores têm usado tal recurso de diversas formas e objetivos. “Usam jogos prontos ou criam jogos com os alunos; com interfaces digitais, com recursos analógicos de tabuleiros, flash cards, perguntas e respostas; com personagens, avatares, badges, scores e classificações”, reforça o professor, pesquisador e entusiasta em metodologias ativas de ensino e tecnologias educacionais, José Motta Filho.
Ainda segundo o especialista, existem docentes que usam a prática de maneira a coletar dados, interagir com os alunos, despertar interesse ou simplesmente para tornar a aula mais lúdica. “Outros buscam intensamente caminhos para criarem a mentalidade do ‘coopertition’ (cooperação com competição), desenvolvimento de memórias, o despertar da autonomia e a aquisição das tão faladas competências socioemocionais”, complementa.
Algumas instituições possuem, em função do seu planejamento e parcerias estabelecidas, elementos de gamificação no próprio ambiente virtual de aprendizagem que utilizam. Sendo assim, cabe a cada professor explorar esses recursos em suas aulas e atividades. “É um mundo vivo e orgânico. Não há receitas prontas nem engessamentos. Há colégios ou universidades que usam de forma mais intensa, outros ainda não experimentaram essa possibilidade. Isso depende de múltiplos fatores”, sinaliza.
Os princípios básicos para adotar esse método são de entender o que os estudantes precisam e como recompensá-los. É o que acredita Rafael Chanin, professor da Escola Politécnica e certificação Gamification e Engajamento de Pessoal da PUCRS.
Para Chanin, vencer o desafio não pode ser algo distante de se conseguir e, gradativamente, ir aumentando suas dificuldades e, por consequência, seus aprendizados. “Para premiar, não precisa ser entregue algo físico, o reconhecimento por si só é uma grande recompensa. O importante é criar a sensação de status de prazer para que sejam realizadas mais atividades”, pontua.
Customização de jogos em produção
De acordo com a necessidade das instituições e das pessoas envolvidas, empresas estão desenvolvendo jogos customizados para ensino de crianças e adultos.
Criada a partir de uma metodologia de bioaprendizagem, a i9Ação abrange a aceleração de aprendizagem e a memória de longo prazo. Em São Paulo, a empresa desenvolveu o jogo interativo Conecta Saúde, com o objetivo de conscientizar adolescentes sobre prevenção e sexualidade. Em um grande tabuleiro físico, os jovens são representados por avatares dentro de um ambiente e simulam uma viagem da escola para um acampamento para tomar decisões a partir de perguntas relacionadas à Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST).
“Principalmente quando são assuntos delicados, quando não tem uma exposição de uma pessoa, o grupo coloca suas ideias de maneira mais natural e participativa”, comenta o fundador da i9Ação e psicólogo com ênfase em Neuroaprendizagem Aplicada, Fernando Seacero.
No digital, a empresa criou um jogo para uma instituição de ensino superior com intuito de ajudar os docentes a terem um processo de imersão mais estimulante. “Primeiro, o professor cria o seu avatar, pode personalizá-lo, pode até colocar um botom de apoio a determinadas causas sociais. Para ter foco na aprendizagem e dar energia para continuar na trilha, existem os ‘games fans’ que são mais para diversão, é uma forma de desopilar e engajar, tudo pensado na estimulação neural. É uma maneira interativa de entender a missão, propósito e a cultura”, comenta.
Segundo Seacero, a média de produção desses jogos é de dois a três meses. Os percentuais de pessoas que começam e terminam os jogos chegam de 60% a 90% de engajamento. “É viável para atender desde o professor de inglês até uma universidade”, contextualiza.
Outra empresa brasileira criou um método de ensino a partir da gamificação que já gerou resultados e está em fase de desenvolvimento do game. Conforme destaca o cofundador da Press Start, Rick Matone Menasce, um dos sócios, que é professor do Colégio Israelita, de Porto Alegre, aplicou essa teoria com seus estudantes. Ele tem visto bastante resultado em relação a atenção do aluno e engajamento em sala de aula. “O que estamos fazendo agora é desenhando a plataforma para ser desenvolvida de fato. Possuímos algumas teorias da psicologia que são bastante utilizadas em jogos e buscamos dar mais autonomia ao aluno, com algumas mecânicas bem interessantes com grande receptividade”, salienta.
Menasce aponta que as aulas mudaram drasticamente no colégio. “Outros professores perguntam ao meu sócio o que ele está fazendo, porque os estudantes não param de perguntar sobre os jogos e se as outras aulas também terão essa gamificação. A nossa ideia é finalizar esse jogo nos próximos meses”, complementa.
Gamificação materializada em sala de aula
Em suas aulas de matemática, a professora do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, de Farroupilha (RS), Rafaela Regina Fabro, aplica a metodologia da gamificação. “Comecei a usar os games nas aulas remotas para engajar mais os alunos. A maioria dos jogos, eu mesmo produzo no Powerpoint e uso questões para os estudantes vencerem os desafios. A cada resposta correta, ganha pontos. Também utilizei o jogo Twister, em que tinha que pisar nas respostas certas”, ressalta.
Em oito anos com essa metodologia de ensino, a professora já criou nove games e 30 jogos impressos, que são responsáveis por prender uma maior atenção por parte dos jovens. “É uma forma diferente de aprender, está mais próximo ao habitual das crianças e adolescentes, como mexer no celular”, salienta.
Além de lecionar, Rafaela também comercializa seus jogos para outros professores. Um deles é o “Detetive Matemático”, que tem a missão de encontrar um baú de mistérios. “Por meio de enigmas, o aluno, ao acertar as respostas e os desafios, vai chegando próximo do final do jogo”, explica.
Já o professor de customer experience, mídia e cultura digital na PUC-SP e na Universidade Mackenzie, Paulo Silvestre, utiliza as plataformas Mentimeter e Kahoot. “A primeira é muito boa para questionários dinâmicos para quebrar o gelo da turma, gera ‘nuvens de palavras’ para colher informações sobre as experiências dos integrantes do grupo. Agora, o que realmente é um sucesso, é fazer quiz com o Kahoot. Faço perguntas sobre assuntos abordados no dia ou nas últimas aulas. A partir disso, é feita uma dinâmica de competição que traz algum prêmio aos mais bem colocados, que podem variar desde pontos extras na nota a chocolates”, ressalta.
Conforme salienta Silvestre, os alunos simplesmente amam suas atividades e comentam que essa é uma excelente maneira de avaliar o aprendizado e até incentivar a que prestem mais atenção. “Muitos alunos começam a aula perguntando se haverá essas atividades no fim do dia”, comenta.
6 ferramentas gratuitas para realizar gamificação em sala de aula: