Numa sala, 12 pessoas deixam de ser executivos e se tornam personagens de um jogo. Separados em grupos, eles precisam percorrer um trajeto e chegar até um porto, onde estão os fenícios, e vender a eles suas mercadorias. Para alcançar seus clientes, no entanto, os jogadores precisarão passar por diversos desafios e obstáculos. Longe de ser uma mera brincadeira, a cena acima faz parte do primeiro RPG Corporativo brasileiro (sigla oriunda da expressão inglesa “role-playing game”, que pode ser traduzida como “jogo de interpretação”), o Madru, lançado mês passado pela W2, especializada em comunicação no ambiente de negócios, e pela i9Ação, que desenvolve jogos corporativos. “Esse trabalho é baseado em conceitos de aprendizagem da neurociência, que visa estimular a integração entre os sistemas emocional, racional e motor de nosso sistema nervoso”, afirma Jean Pasteur, sócio da i9ação. “No Madru, agimos, sentimos e pensamos sobre nossas atitudes e comportamentos”, complementa.
Com uma ambientação propícia e com música de fundo, para dar clima à atividade, o Madru, com seus desafios impostos aos participantes, tem por finalidade trabalhar a comunicação dentro da empresa que, de acordo com Pasteur, está baseada em quatro pilares: o autoconhecimento; a comunicação com o outro (uma construção coletiva que objetiva minimizar ruídos comunicacionais); a sinergia entre diferentes áreas (como fazer com que os departamentos conversem entre si); e o ambiente onde tudo acontece (criar, dentro da empresa, um clima ideal para que a comunicação flua de maneira adequada).
De acordo com Fernando Seacero, executivo da i9Ação, o grande segredo desse jogo é a visão sistêmica que ele propicia. Nele, as pessoas passam a compreender a importância da integração entre o indivíduo, seus parceiros de trabalho e a organização. Essa mudança de comportamento permite a melhoria contínua dos processos de comunicação e o cumprimento de metas e resultados. “Essa metodologia propõe que as pessoas saiam do convencional e utilizem outras partes do cérebro, o que lhes garante um aprendizado de longo prazo”, explica.
Para que o nível de apreensão seja alto, os idealizadores apostam na experimentação. “O ser humano só aprende se experimentar, averiguar com seu poder cognitivo que aquilo faz sentido e, então, tomam uma decisão”, afirma Pasteur. A mudança, nesse sentido, é resultado de um trabalho interno e, portanto, mais duradouro. “No jogo, nada é impositivo e ninguém diz ‘é isso ou aquilo’”. Cada um segue o seu caminho da maneira que achar mais adequado. Correndo riscos, vivenciando e, sobretudo, experimentando.
É essa idéia de tela em branco que instiga. É o ser humano em estado bruto, com as surpresas que lhes são peculiares. Para potencializar essa possibilidade do inesperado, os organizadores evitam estabelecer uma relação de oposição entre os grupos participantes. Todos eles precisam chegar ao mesmo lugar. Têm desafios e objetivos em comum. Qualquer semelhança entre os clãs — como são chamados os grupos — e os departamentos de uma corporação não são mera coincidência. “Os participantes acabam escolhendo entre se ajudarem entre si e trilhar seus caminhos sozinhos, como se o sucesso de um só fosse garantido com o fracasso do outro”, diz Pasteur. O julgamento é deles. E são eles que optam pelos caminhos a serem seguidos.
Na moda
Embora o Madru seja o primeiro RPG corporativo no Brasil, os treinamentos que utilizam jogos para transmitir conceitos ou aprimorar conhecimentos já são muito utilizados por aqui. “Só o fato de sair da sala de aula já chama atenção dos participantes; quando o jogo traz simulações do dia-a-dia, por meio da brincadeira, o envolvimento se torna ainda maior”, afirma Pasteur. Mozar De Leone Mauro, assessor de recursos humanos da Sociedade Hospital Samaritano, é responsável pelos treinamentos da companhia e, sempre que possível, recorre aos jogos para capacitar seus colaboradores. “Usamos jogo não porque é divertido, mas porque é assim que o ser humano adulto aprende melhor”, diz.
No hospital, em um ano e três meses foram desenvolvidos cerca de 30 jogos. Mauro defende que esse tipo de treinamento propicia uma reflexão mais acentuada de quem está participando em relação a seu dia-a-dia. Ele ressalta, no entanto, que é preciso muito cuidado na hora de estruturar a dinâmica para que o jogo não se torne mera brincadeira. “Um dos passos mais importantes no planejamento é se cercar de profissionais qualificados que mostrem que cada ação proposta tem um objetivo bem definido”, afirma Mauro.
Um outro fator já prejudicou esse tipo de dinâmica, mas, hoje, ocorre com bem menos freqüência: a desconfiança dos colaboradores. No passado, não era fácil convencer gerentes, diretores e outros profissionais do alto escalão de que um jogo poderia ensinar-lhes algo. “Atualmente, isso quase não acontece porque os executivos já sabem da eficácia desses treinamentos”, afirma Mauro. “Além disso, é um formato com o qual se divertem, o que, muitas vezes, não acontece nos treinamentos convencionais”, finaliza.
Fonte: Canal RH – por Lucas Toyama